A estrutura física de Tóquio. Limites e contradições da estrutura radial centrípeta
As comunicações são o fator que conferem a Tóquio sua vida orgânica. E, no entanto, é um complexo mal servido pelas comunicações. Os meios técnicos de comunicações, nos seus progressos, mostraram aos homens a necessidade de promoverem comunicações diretas. As funções agrupadas em Tóquio pesquisam ligações recíprocas mais estreitas, de onde a tendência de agruparem-nas no centro da cidade. Concorrentemente, a população que assume as funções concernentes, procurando terrenos baratos, espalha-se pelos subúrbios. Assim, esse movimento veio a acentuar-se no quadro das cidades satélites. Os transportes, graças aos quais as comunicações diretas se tornam possíveis, constituem o fundamento físico das cidades de 10 milhões de habitantes. E a mobilidade que dá à sistematização aberta da cidade sua vida orgânica. Atualmente, 1,2 milhões de passageiros dirigem-se, diariamente, para o centro de Tóquio. Se acrescentarem as demais pessoas que procuram uma comunicação direta, o número de passageiros que diariamente se concentram atinge, no mínimo, 2,5 milhões. A função essencial de uma cidade de 10 milhões não é a de produzir bens. No interesse do desenvolvimento econômico e cultural, Tóquio deve ser um centro de decisões, cumprindo múltiplas funções despercebidas. O sistema de transporte radial e centrípeto é o reflexo da sociedade fechada da Idade Média. Em consequência, um novo sistema de transportes é necessário. O automóvel modificou as relações entre a arquitetura e as estradas. Em primeiro lugar, é necessário separar os pedestres e os veículos, criando estradas e ruas para uso exclusivo dos automóveis. Estas novas estradas dão origem a relações totalmente diferentes entre os edifícios e as ruas.
Da estrutura radial à estrutura linear.
Uma proposição de transportes cíclicos
Na época em que as cidades se desenvolviam em torno da praça central e em que as pessoas viviam dentro dos limites das sociedades regionais, a praça era o núcleo das comunicações. A catedral, o castelo e a prefeitura eram tanto os locais espirituais como os símbolos da vida urbana. Hoje, as comunicações libertaram a cidade dos liames de organização fechada e determinaram profundas modificações da sociedade. As comunicações e as migrações diárias provocaram o caos das grandes cidades. O centro cívico será substituído por um novo conceito, o eixo cívico, organização aberta permitindo o desenvolvimento linear. A evolução e o crescimento de organismos vivos indicam que o desenvolvimento deve passar do estágio radial ao estágio linear. O processo de produção, nas usinas modernas, converteu-se gradualmente, em movimento linear; a produção em série interveio. Da mesma forma, as diversas funções de uma grande cidade devem ser distribuídas ao Iongo de um eixo, ligadas por comunicações que aceleram, reduzindo o tempo de produção. Pode-se imaginar, para este eixo cívico, um sistema de transportes cíclicos. O sistema das estradas atuais não pode, em caso algum, resistir à pressão de 2,5 milhões que passarão, mais tarde a 5 ou 6 milhões. Só o sistema cíclico em três níveis superaria esta dificuldade, adotando a série de ligações superpostas. Em cada ligação, a circulação se faz num único sentido, desde que ela tenha sentido inverso nas duas ligações vizinhas, de forma que, no ponto de intersecção, a circulação nas duas ligações se faça no mesmo sentido. Esse sistema permitiria satisfazer a um tráfico dez ou mesmo trinta vezes mais intenso que poderiam permitir as estradas atuais. É natural que se o eixo tem sua origem no centro, a ligação deve ser mantida entre o centro e a organização linear. O melhor prolongamento do eixo está na direção da baía de Tóquio. Desde que o Iitoral foi absorvido pela indústria, a cidade se converteu em cidade marítima.
Unificação da cidade, do sistema de transportes e da arquitetura.
Proposição da unificação do centro e dos pilotis
Os problemas da circulação foram resolvidos, pelos pioneiros do modernismo, criando pilotis que deixam livre o nível do solo para que sirva de ligação entre os diversos espaços. Nós achamos conveniente unir os pilotis aos transportes cíclicos. A menor unidade tornar-se-ía um quadrado de 1km de lado. Edifícios administrativos de 10 a 20 andares se apoiariam sobre pilotis; sua altura seria de 150 a 200m. O espaço Iivre sob os edifícios seria de 40m de altura e o vão, de 200m; tais estruturas seriam, assim, compatíveis com o fluxo variável dos autos.
A restauração da ordem espacial na cidade.
Uma nova ordem espacial refletindo a sociedade aberta e a organização flutuante da cidade
A rapidez e a densidade do tráfico exigirão, sem dúvida, edifícios: de uma parte as estruturas importantes, de longa duração, de outra parte, as estruturas que pelos objetivos secundários, seriam de curta duração, em consequência do uso diário. Há entre os dois uma distinção em contínua alternação, mas seria preciso Iigá-los, criando uma ordem urbana nova. Se se tratar de zonas residenciais, é preciso realizar um conjunto dinâmico no qual haveria uma ordem progressiva; da casa à quadra de jogos, ao jardim público e ao centro de divertimentos e de esportes; do jardim de infância à escola primária, à escola secundária e às demais instituições escolares e sociais; das praças de estacionamentos às estradas de circulação. As zonas residenciais, situadas na baía sobre plataformas, são caracterizadas pela distribuição vertical desses espaços, tendo em contrapartida as zonas situadas sobre terrenos de distribuição horizontal.
Plano para Tóquio 1960
Proposição de modificação das estruturas
É impossível impedir o crescimento pois isso seria ir ao encontro duma tendência invencível. Em 1960, a região de Tóquio abrangida em um raio de 50 km, contava com 18 milhões de habitantes, dos quais 15 milhões da população urbana. Em 1980, a população urbana será de 25 milhões e, para o fim do século, de 35 milhões.
Os objetivos tornam-se os seguintes:
1. Passar do sistema radial centrípeto a um sistema de desenvolvimento linear.
2. Procurar, nos meios de unificar organicamente, a estrutura da cidade, o sistema dos transportes e a arquitetura urbana.
3. Procurar uma ordem espacial urbana, refletindo a organização aberta e a mobilidade espontânea da sociedade contemporânea.
1. O eixo cívico
O eixo, cuja origem será o centro atual, estender-se-á progressivamente, acima da baía de Tóquio. Primeira etapa: a construção de uma unidade de transporte cíclico acima do centro atual. Os pontos de cruzamento tocariam o solo, desde que as autoestradas estejam situadas 40 m acima do nível do solo e 50 m acima da baía. O meio de transporte comum seria a monovía. Presume-se que dentro de 20 anos, cerca de 5 milhões de pessoas se deslocarão ao longo do eixo graças aos diversos meios de transportes. O sistema cíclico estará perfeitamente adaptado a esse volume, como um sistema gigante de transporte para as pessoas. Ele unificará o sistema urbano, as vias de comunicação e a arquitetura. Será estabelecida uma hierarquia de sistemas de velocidades, desde a estrada de grande circulação à estrada secundária e aos caminhos de pedestres. No estágio final, o eixo compreenderá 23 anéis onde poderão estacionar 920 000 automóveis. E como cerca de 2,5 milhões de pessoas trabalharão ao Iongo do eixo, os edifícios administrativos de cada anel deverão abrigar parte de 100 000 pessoas em média, o que significa que os edifícios exigirão 3 milhões de m². O espaço arquitetural será definido segundo as necessidades, como espaço Iivre e núcleos regulados. Os métodos de regularização por zonas estão superados e substituídos por uma regularização organizada. As lojas, auditórios, etc., planejados na mesma escala que a de hoje, serão distribuídos ao redor da unidade. Encontrar-se-ão aí pequenas ruas e praças reservadas aos pedestres.
2. Zonas residenciais
O sistema de transportes cíclicos trará o desenvolvimento de ruas paralelas ligadas perpendicularmente ao eixo e estendendo-se para as zonas residenciais. Elas terão um único sentido. As funções terciárias de produção serão fixadas, ao longo do eixo, e as funções de consumo e de produção estarão ligadas às funções terciárias pelo próprio eixo e pelas ruas paralelas. Uma parte do solo das zonas residenciais será obtida pelo transporte de areia, pelos mesmos métodos usados nas principais empresas de terraplanagem. Fundações de cimento, suportando grandes plataformas, serão descidas ao fundo do mar, nos lugares em que, pela extração de areia, se adelgaçou a camada do fundo. Cada terceiro nível será feito de plataformas de cimento estendidas de Iado a lado e servindo para alojar os conduítes de gás, de água e de eletricidade.
3. Os transportes interurbanos e internacionais
Além da construção de uma nova estação central, será necessário construir uma estação na baía a fim de criar uma ligação com a linha do Tokaido por meio de um metrô. Outras linhas de metrô ligarão a estação. Um porto para paquetes e um aeroporto internacional serão igualmente necessários. A nova estação e o porto devem estar unidos entre si.
4. As zonas industriais
A criação, por acréscimo de terra, de zonas industriais deve realizar-se no quadro de um plano de conjunto. O acondicionamento de duas zonas avança rapidamente, mas sem plano geral. Uma nova rede de transportes se impõe para essas regiões industriais valendo-nos da necessidade de uma reorganização da circulação entre Tóquio e Yokoama pelas dificuldades que aí se apresentam. As ruas industriais não devem, como ocorre atualmente, penetrar no centro.
5. A renovação das zonas urbanas atuais
O processo de renovação urbano supõe a substituição da estrutura centrípeta por uma estrutura linear. O desenvolvimento acima do mar e a renovação das zonas existentes trarão o benefício de um estímulo recíproco.
Programa de construção.
Um método de transformação da energia destrutiva em energia construtiva
Em razão dos preços excessivos dos terrenos próprios para habitação, as casas se espalham cada vez mais pelos subúrbios. A construção de uma nova estrutura urbana começará pela construção de uma rede de transportes cíclicos. O único meio de salvar Tóquio é o de modificar sua estrutura de base. Isto significa que, nos 20 anos próximos, os investimentos que se farão em Tóquio sobre construções serão de 30 000 bilhões de yens ( 83 milhões de dólares ).
O plano financeiro apresenta-se da seguinte maneira:
1. Construção da rede de transportes cíclicos: 4 bilhões Y.
2. Construção da nova estação de Tóquio, de Iinhas de metrô e da outras vias de comunicação: 1 bilhão Y.
3. Renovação da área metropolitana atual: 3,5 bilhões Y.
4. Construção de vias radiais paralelas e de plataformas para os setores residenciais acima da baía: 4,5 bilhões Y.
5. Total intermediário (1-4): 13 bilhões Y.
6. Receita da venda de terrenos criados ao Iongo do eixo: 7.5 bilhões Y.
7. Receita da venda de espaços residenciais acima da baía: 1,5 bilhões Y.
8. Total intermediário (6-7): 9 bilhões Y.
9. Diferença entre 5 e 8: 4 bilhões Y.
Calculados para vinte anos, os investimentos necessários para o plano e outros trabalhos, atingiriam cerca de 30 bilhões de yens, soma essa que de qualquer maneira deve ser investida. Poder-se-ia indagar sobre as possibilidades técnicas necessárias para o plano. Os progressos efetuados após cinqüenta anos no domínio das construções não são consideráveis. Os edifícios construídos hoje poderiam ser construídos da mesma forma, há cinco decênios. Efetivamente, desde essa época, já era possível construir arranha-céus de 300m e pontes com a extensão de um quilômetro. De outro lado, seria errôneo concluir que os técnicos de construção não progrediram desde aí: ao contrário, um número crescente de possibilidades novas se manifestou. Mas nenhuma construção chegou a utilizar-se de todas as técnicas modernas. Engenheiros e arquitetos não deram livre curso às suas pesquisas senão em questões secundárias. Se se construíssem cidades acima do mar ou se efetuassem estruturas de longo alcance, com certeza a força latente da tecnologia moderna se libertaria das restrições que a cercam. Diz-se também que os projetos são incompatíveis com a segurança das construções. Impõe-se a obrigação de considerar imutáveis as leis atuais pois as leis não tem outra finalidade que a de estabelecer uma sociedade melhor. Mas seria Iamentável abandonar planos pela única razão de que é preciso acatar as leis. Então, surgiria a questão de saber se o projeto é exeqüível com o sistema político atual. Esta questão é válida, pois o regionalismo que prevalece no governo e na administração se opõe a qualquer política de conjunto. Nenhum projeto totalizador não pode, então, realizar-se no sistema corrente. A dificuldade não está apenas na carência de funcionários ou na imprevidência dos homens políticos. Se o sistema e a organização não forem alterados, nada podem fazer funcionários e homens políticos. E, no entanto, não se pode esperar que o sistema e a organização disponham de forças que lhes permitam uma renovação. Essas forças devem vir de fora: da opinião pública. Homens de negócios, educadores, artistas, jornalistas, sindicatos e homens da rua devem convergir no intuito da reconstruir a capital japonesa. Posto em marcha o movimento, é possível que funcionários e homens políticos dele participem a título individual. Cada um, qualquer que seja sua origem, qualquer que seja sua profissão, deve apegar-se com convicção ao problema da renovação de Tóquio. Terão êxito as mais belas esperanças se este plano se tornar a pedra inaugural da nova cidade. "
(Publicado em 1961)
Fontes:
ROSOLIA, Orestes (versão portuguesa) Kenzo Tange. Estudio Paperback. Barcelona: Gustavo Gili. 1978